Maioridade penal entre dois extremos

Nei Nordin

O tema da maioridade penal tramita no congresso há vinte um anos. Arrasta-se enredado na inoperância e na incompetência de nossos parlamentares que empenham-se em votar primeiramente as pautas que lhe trazem benefícios diretos.

Infelizmente não se pode afirmar que este tempo de espera tenha servido para maturar a questão submetendo-a a avaliação de setores competentes da sociedade. O tema foi simplesmente “empurrado com a barriga” e congelado até que alguém lhe tenha retirado do fundo de alguma gaveta para um novo fôlego.

Maioridade penal 03Apenas nestes momentos cruciais de votação é que os ânimos se arvoram e todos se consideram aptos a emitir pareceres por vezes exaltados e sem o devido conhecimento de causa ou condições de avaliar a questão numa perspectiva que esteja um pouco além de seu próprio nariz. Impressiona a abundância de postagens nas redes sociais. Mas quem possui, afinal, a lucidez de admitir que não está em condições de opinar sobre alguma coisa? Fique entendido que não me considero expert no assunto como também não estou munido de todos os dados sobre a polêmica. Emitirei sim minha opinião, mas meu objetivo principal é tecer algumas considerações sobre a forma como as posições e os discursos estão sendo construídos e apresentados em torno da questão.

Penso que um primeiro ponto a ser considerado é o fato de que vivemos uma extenuante rotina de medo. A violência impera em moldes de guerra civil (e o caso do RJ é só o mais divulgado), requintes de crueldade e com a certeza da impunidade. Grupos que ostentam armamentos militares deixam seus nichos e invadem bairros de uma classe média que até bem pouco julgava-se segura atrás de suas grades e sistemas de alarmes. Quando a polícia mostra-se ineficiente ou constata-se que parcela de seus efetivos estão envolvidos com milícias ou com o tráfico, fomenta-se uma consciência coletiva de desespero e desamparo. Clama-se por justiça não importando que seja arbitrária e feita por justiceiros. É repulsante a forma como os apresentadores de tele jornais sensacionalistas especializados em explorar a violência fomentam o medo e o ódio. Noticiam crimes utilizando uma linguagem afinada com o populacho que instigam posições extremadas e violentas elevando o ibope às alturas. Gesticulam como comadres repetindo bordões como “lugar de bandido é na cadeia”, “penas de morte”, “é uma pouca vergonha”, etc, etc. Uma estratégia hipnotizante.

O grande apelo popular pela redução da maioridade penal justifica-se então por este sentimento de grande medo que a todos assola. A maioria das cabeças entende como verdadeira a equação rudimentar que sustenta que menos bandidos na rua significa a redução da criminalidade. Ledo engano quando a realidade falida de nosso sistema prisional é conhecida por todos.

Maioridade penal 05Forçoso reconhecer que na atualidade brasileira, cadeia não é lugar pra ninguém. Seja para adultos como para adolescentes, o inferno das cadeias brasileiras além de não exercer nenhum papel regenerador surte efeito contrário como uma escola que fomenta a revolta e a inclinação para o crime. Deveremos então enviar jovens para tais depósitos superlotados? Depósitos que por sinal nenhuma segurança oferecem ao cidadão que se considera “de bem”, pois é igualmente sabido que quadrilhas e ações criminosas são lideradas e coordenadas de dentro das prisões.

Penso que a maioria das pessoas que defende a idéia de que “lugar de menor infrator é na cadeia” está na verdade preocupada com sua própria segurança e não com a dimensão social do problema. Falta em muitos o discernimento de que o que é melhor para a coletividade sempre destoa com interesses individuais.

O outro lado da moeda também produz argumentos que devem ser aqui considerados.

Um ponto muito presente nas discussões é que os delitos cometidos por menores são ínfimos se comparados aos índices de criminalidade. Acredito que seja verdade, mas será que isso significa que não há um número suficiente de jovens infratores soltos por aí?

Outra idéia é que ao Estado cabe regenerar e não punir os jovens. Estigmatizá-lo como criminoso significa retirar-lhe todas as possibilidades de regeneração. Voltamos então ao parágrafo acima sobre o sistema prisional.

Maioridade penal 02Há também a questão da responsabilidade dos direitos antecipados possibilitados pela legislação brasileira: a carteira de habilitação e o título de eleitor. Então é válida a argumentação de que se o menor, com dezesseis anos, pode já exercer estes direitos, com suas responsabilidades implicadas, então deverá responder como adulto por seus crimes. Tenho restrições quanto ao direito de direção. Acho que em muitos casos dezoito anos ainda é cedo para conduzir um veículo. O fato é que o Estado outorgou a possibilidade de que menores de idade possam exercer funções de extrema responsabilidade e que podem acarretar em conseqüências funestas. Não parece então uma contradição negar-lhes a responsabilidade penal?

Vejo também por aí a justificativa de que crime recruta menores de idade valendo-se de sua impunidade jurídica e não é raro ouvir da boca de um menores infratores (como já ouvi de alunos) a frase “não vai dar nada. Quando fizer dezoito está tudo limpo”, frente à possibilidade de adentrar na maioridade com a ficha criminal limpa não importando o delito cometido. É sim uma realidade que no país da impunidade este aspecto reforça nos jovens que vivem na órbita do crime e mesmo nos delinqüentes de classes média e alta o sentimento de vácuo jurídico em que tudo é permitido.

No fundo toda esta discussão soa como certa hipocrisia em meus ouvidos. A legislação penal brasileira é cheia de brechas e convivemos cotidianamente com exemplos de criminosos que se beneficiam da impunidade por que seus advogados sabem explorar as brechas do sistema e da imensa burocracia. Nada melhor que o exemplo do jogador de futebol Edmundo que em 1995 atropelou e matou três pessoas. Condenado, a pena prescreveu em 2007 sem que o jogador ficasse algum tempo na cadeia.. Uma mensagem pública de que o rigor da lei não é para os ricos.

Vejo nesta discussão os defensores de cada lado expor apenas os argumentos que convém à sua posição quando na verdade deveríamos chegar a um meio termo. Em minha opinião, reduzir a maioridade penal fixando-lhe uma idade específica seria tão danoso quanto mantê-la como está. Acho que o problema principal não encontra-se em decidir qual a idade adequada para que se deva ir para a cadeia. O problema é outro.

Decretar que o menor não possa ser responsabilizado significa emitir uma mensagem muito clara de que a impunidade está aí para ficar. Nosso sistema educacional já está danosamente impregnado pela mentalidade do “coitadismo”. Há sim uma imensa legião de menores assaltantes que não terão o mínimo pudor em matar em nome de um par de tênis ou um aparelho celular. Sem falar dos casos de crimes hediondos como o menino João Hélio, de seis anos, morto ao ser arrastado pelas ruas num assalto de carro no RJ em 2007. Um dos assassinos era menor de idade e apenas sofreu medidas sócio-educativas que não ultrapassariam três anos. Você vai dizer que estas exceções não devem nortear a regra? Me parece que a lei deve prever também as exceções. Numa sociedade de distorções de valores como a nossa, optar por qualquer tipo de ortodoxia pode levar a erros drásticos.

Por que será que até agora não vi ninguém defender a flexibilização da maioridade penal, observando as peculiaridades de cada caso, de acordo com a natureza do crime e com o perfil psicológico do menor? Um garoto de quatorze anos que porta uma arma e mata por motivo torpe é um psicopata, um criminoso consciente ou uma vítima da sociedade? Se for um dos dois primeiros casos, ele deve ser protegido por uma lei que nivela todos em uma mesma tipologia? Se for o último caso, ele deve ser taxado como criminoso e não ter apoio do Estado para promover sua regeneração e inserção na sociedade?

As pessoas estão tratando deste assunto como quem defende seus dogmas sagrados e ortodoxos. A sociedade tecnológica do século XXI deve ter leis adaptadas às mais diversas variantes possíveis dentro do que se considera regra e exceção. Há menores e menores. Um menor de idade pode cometer um crime pelas mesmas motivações que um adulto. Um adulto pode também não estar ciente das responsabilidades dos seus atos. Cada um tem o tempo certo para sua própria maturidade.

Me parece inaceitável uma legislação jogue a todos dentro de um mesmo “saco de gatos” como se todos fossem iguais em oportunidades, capacidades e maturidade.

Vamos ver no que vai dar e seguir tentando acreditar que o Brasil pode mudar…

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